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QUE MULHER VOCÊ DECIDE SER?

08-03-2020 por Rogener Almeida Santos Costa

O primeiro conceito de mulher que foi formulado em minha mente, ainda na  infância, foi “mulher é um ser sobrecarregado.”  As cenas comuns, naquele cotidiano rural  e nordestino em que nasci, eram de mulheres que “escolhiam” o casamento e uma vida cheia de filhos com árduas e rotineiras tarefas. O cotidiano delas era dar conta das obrigações domésticas, cozinhando, lavando, passando, cuidando das crianças etc. Muitas delas, como minha mãe e minha avó, precisavam trabalhar em outras funções que ajudavam na renda doméstica. Minha mãe, por exemplo, fazia duzentos pasteis  e dez bolos na manhã de um dia e produzia uma renda mensal muito bem-vinda. O fato é que tais mulheres viviam  aceleradas, fatigadas, cansadas e tristes. Tudo aquilo me dizia o que eu não deveria ser. Parecia aos meus olhos e ao entendimento  de adolescente que essa sobrecarga se devia ao estilo de vida rural e pobre, em um dos  estados mais atrasados do País. Cedo tratei de romper com a “sina” e com o espaço geográfico.

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A geografia mudou, o tempo passou. A sociedade conquistou científica e politicamente grandiosas mudanças tecnológicas e culturais. O mundo  globalizou-se, o estilo de vida foi transformado no campo  e na cidade, o feminismo conquistou significativos e inadiáveis direitos para as mulheres. No entanto, a sobrecarga parece que se multiplicou. Muitos anos se passaram da minha infância até o presente e ainda vejo a sobrecarga como uma condição opressora para a grande maioria das mulheres. Tornei-me mulher urbana, profissional, independente financeiramente  e o excesso de obrigações continua  no campo e na cidade. Ser mulher é incompatível com uma vida livre e leve? Como experimentar uma vida, na qual o cumprimento das responsabilidades seja consequência da liberdade e não antagônica a ela?

Para ilustrar um dos aspectos da opressão atual das mulheres que são livres, destaco a “liberdade de ser linda e saudável”. A cultura contemporânea, desde o início deste século, trouxe ao lado dos avanços, a imposição de novos padrões de comportamento que sobrevalorizam a juventude como marca etária, deixando de ser um estágio da vida para ser um valor. Vale lembrar Lipovetsky, ao afirmar como marcas dessa cultura a apologia do eu e o culto do prazer.  Nessa perspectiva, a estética prescreve padrões corporais esculturais, produzindo obrigações, especialmente entre as mulheres urbanas e com boa condição financeira, de atingir os parâmetros de um corpo esculpido, magro, saudável, dentro dos parâmetros difundidos pelos meios de comunicação. Isto gera o estresse de uma busca inatingível, do ideal incompatível com as rotinas daquelas que conquistaram o direito de trabalhar e de ser as provedoras de suas próprias necessidades. O estilo de vida saudável, prescrito nos conteúdos da publicidade que sustenta o consumismo exacerbado, é minucioso, trabalhoso e caro, gerando mais angústia que vida saudável. O investimento de tempo e de recursos para atingir os resultados “desejados” pela mulher  contemporânea, por si só, é fator limitante, porque se torna uma prisão à ditadura da magreza e de uma beleza “prescrita” que uniformiza  rostos,  expressões e estilos de vida.

Viver  com sentido  e leveza é um sonho possível que apresenta, também, condições. Entre as condições, posso destacar algumas escolhas:  viver uma vida em que você não venda e nem doe todo o seu tempo. É livre quem tem poder sobre o próprio tempo;  assumir o amor como valor primordial, amando a si mesma, ao outro e à natureza; permitir-se   encontrar consigo mesma para dialogar com sua consciência, descobrindo quem é; afirmar sua autodiferenciação, como sua maior contribuição ao mundo, oferecendo sua singularidade como algo inédito à sociedade em que vive;  fazer do seu trabalho a construção de um legado que expresse sua capacidade criativa, mas não esgote sua energia pessoal, que é finita. Aliás, é necessário lembrar que a vida é finita e todos os seus esforços não impedirão seu envelhecimento e finitude, portando viva cada estágio do ciclo da vida, tornando eterno o agora. Viva a liberdade de ser quem você decide ser, experimentando sua autenticidade de escolher o seu “dever ser” para além dos machismos disfarçados que nos habitam e do consumismo dominante.

Autora

Rogener Almeida
Psicóloga
Analista Existencial
Logoterapeuta
Doutoranda Psicologia Social

Assuntos

Blog - Logoterapia
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