EM TEMPOS DE PANDEMIA EU REVERENCIO A ABERTURA E A CRIATIVIDADE QUE HABITA EM NÓS
29-04-2020 por Rogener Almeida Santos Costa
Quando uma enfermidade epidêmica alcança todos os países da terra, é evidente que ao chegar a uma ilha sua tendência é ser mais rápida em sua disseminação, pelo padrão de circulação urbana dos seus moradores. Aqui, em São Luís, chegamos a 2423 casos confirmados até o dia 29 de abril, com 149 óbitos. É também evidente que a linha ascendente subiu mais verticalmente na última semana de abril. Suponho que o quadro estaria mais caótico se as medidas governamentais tivessem sido tomadas mais tarde. Alguns fatores contribuem para que as medidas preventivas não alcancem os resultados desejados, entre as quais, a arrogância de uns, a ignorância e a ausência de empatia e compaixão de outros.
O fenômeno Covid-19 é recente, por isso não se tem, no presente, estudos conclusivos. Pelas evidências, é possível afirmar que sua disseminação é muito alta e quando contamina, se não contido imediatamente, devasta totalmente o organismo afetado, independente da idade. Isto nos informa que todos nós estamos vulneráveis e, mais cedo ou mais tarde, poderemos ser atingidos e se estivermos atentos e cuidadosos, poderemos passar pela experiência com humildade e aceitação, respeitando nossa condição de fragilidade humana, recorrendo às medidas terapêuticas necessárias e assim, obtendo êxito. Isto ocorreu com algumas pessoas muito queridas do meu convívio, as quais perceberam os sintomas precocemente e procuraram a medicina remota, tendo sido medicadas em suas próprias residências. Rezamos juntas e hoje celebramos suas recuperações. Trago esse fato para ressaltar que, ao mesmo tempo que há uma ameaça sobre todos, também há esperança. Para que a esperança se transforme em resultados favoráveis, é necessário fazermos o que nos compete.
O clima geral é ameaçador, o que fomenta sentimentos de impotência e de ansiedade. Muitas pessoas estão adoecendo psiquicamente, e de fato precisam de suporte especializado para prosseguirem enfrentando essa realidade. É necessário reconhecermos os fatores limitantes do momento, por outro lado, existe algo que está na área de liberdade de cada um, que é descobrir o que é possível fazer. Reconhecer as impossibilidades é ser realista, tanto quanto reconhecer as possibilidades. As possibilidades dependem exatamente do fato de se olhar com racionalidade e abertura para o entorno, e aceitar que existe algo a ser feito e que está ao meu alcance.
Quando as condições que nos cercam são desfavoráveis é porque as circunstâncias estão a nos exigir competências e outros recursos pessoais que às vezes estão bloqueados ou nunca fizemos uso. A importância da ação não depende da complexidade dela, e sim da resposta que ela dá ao momento. Muitos exemplos disso têm sido constatados nesse tempo de quarentena, como a atitude solidária de professores que, fora das salas de aula, passaram a confeccionar máscaras para distribuir entre feirantes e com essa atitude, protegem centenas de pessoas que adquirem seus produtos.
Esse estado de coisas é uma convocação a redescobrirmos a humanidade que habita em cada um e que a cultura capitalista acumuladora, competitiva, predatória e massificadora foi bloqueando em uma grande maioria de sujeitos. Entre as capacidades humanas que devem ser desbloqueadas, e que as circunstâncias estão a exigir, é a abertura, abertura ao outro, ao novo, ao diferente, ao inesperado aliada à criatividade. As pessoas que estão passando pelas limitações do momento com mais serenidade estão mais abertas ao imprevisível, fazendo uso de sua flexibilidade cognitiva e afetiva. São pessoas que admitem que mudanças são inevitáveis, muitas delas imprevisíveis e reconhecem que até as mudanças desagradáveis podem agregar resultados positivos e construtivos. Essa abertura ao novo favorece a manifestação do potencial criativo. Essas pessoas reconhecem os problemas, mas comprometem-se com soluções, não as soluções ideais, e sim as soluções possíveis.
As circunstâncias nos surpreendem, assombram, assustam e nos convidam a irmos além disso, aceitando caminhar por outros percursos, procurando ver além das aparências, experimentando fazer diferente, perceber “erros” como resultados não desejados que sempre nos ensinam o não previsto. A criatividade é uma das capacidades que estão em todos os seres humanos e que se manifesta como abertura ao novo, e é um instrumento que permite dar respostas ao momento. É hora também de cada um se recriar. Ouso afirmar que um dos possíveis “para quê” dessa tragédia humana é o renascimento do humano e de suas relações consigo mesmo e com a natureza a sua volta. É possível manifestarmos nossa liberdade, usando o potencial criativo, dando respostas que expressem a liberdade, unicidade e a singularidade de cada pessoa.